"Segunda Confissão de Fé Helvética" 16. Da fé e das boas obras, e da sua recompensa, e do mérito do homem (II)
Fé eficaz
e ativa. O mesmo apóstolo chama a fé “eficaz” e “que
atua pelo amor” (Gál. 5.6). Ela também acalma a consciência e abre um livre
acesso para Deus, de modo que podemos aproximar-nos dele com confiança e dele
conseguir o que é útil e necessário. A mesma (fé) conserva-nos no serviço que
devemos a Deus e ao próximo, fortalece-nos a paciência na adversidade, molda
uma verdadeira confissão e manifesta-a: numa palavra, produz bons frutos de
todas as espécies, e boas obras.
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Das boas
obras. Ensinamos que as verdadeiras boas obras nascem
de uma fé viva, pelo Espírito Santo, e são praticadas pelos fiéis segundo a
vontade ou a regra da Palavra de Deus. Ora, o apóstolo São Pedro diz: “Reunindo
a vossa diligência, associai com a vossa fé a virtude; com a virtude, o
conhecimento; com o conhecimento, o domínio próprio”, etc. (2ª Ped. 1.5 ss).
Dissemos acima que a Lei de Deus, que é sua vontade, estabelece para nós o
padrão de boas obras. E o apóstolo diz: “Pois esta é a vontade de Deus, a vossa
santificação: que vos abstenhais da prostituição... e que, nesta matéria,
ninguém ofenda nem defraude a seu irmão” (1ª Tes. 4.3 ss).
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Obras de escolha humana. E na verdade, obras e cultos que escolhemos
por nosso arbítrio não são agradáveis a Deus. A estes São Paulo denomina ethelothreskia (CoI. 2.23).
Desses o Senhor diz no Evangelho: “Em vão me adoram, ensinando doutrinas que
são preceitos de homens” (Mat. 15.9). Portanto, desaprovamos tais obras, mas
aprovamos e estimulamos aquelas que são da vontade e de mandado de Deus.
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O fim das
boas obras. Essas mesmas obras não devem ser praticadas
para, por meio delas, ganharmos a vida eterna, pois, como diz o apóstolo, a
vida eterna é dom de Deus. Nem devem ser elas praticadas por ostentação, o que
o Senhor rejeita em Mateus capítulo 6, nem para lucro, o que também ele rejeita
em Mateus capítulo 23, mas para a glória de Deus, para adornar a nossa
vocação, para manifestar gratidão a Deus e para benefício do próximo. É assim
que Nosso Senhor diz no Evangelho: “Assim brilhe também a vossa luz diante dos
homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está
nos céus” (Mat. 5.16). E o apóstolo São Paulo diz: “Que andeis de modo digno da
vocação a que fostes chamados” (Ef. 4.1). Ainda: “E tudo o que fizerdes, seja
em palavra, seja em acção, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele
graças a Deus Pai” (Col. 3.17); “Não tenha cada um em vista o que é
propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros” (Fp. 2.4); “Que
aprendam também a distinguir-se nas boas obras, a favor dos necessitados, para
não se tornarem infrutíferos” (Tito 3.14).
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As boas
obras não são rejeitadas.
Portanto, embora ensinemos com o apóstolo que o homem é justificado pela graça
pela fé em Cristo e não por quaisquer boas obras, contudo não menosprezamos nem
condenamos as boas obras. Sabemos que o homem não foi criado ou regenerado pela
fé, para viver ocioso, mas antes para fazer sem cessar o que é bom e útil. No
Evangelho o Senhor diz que uma árvore boa produz bom fruto (Mat. 12.33), e que
aquele que nele permanece produz muito fruto (João 15.5). O apóstolo diz: “Pois
somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de
antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef. 2.10). E ainda: “O qual a si
mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniquidade, e purificar para
si mesmo um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras” (Tito 2.14).
Condenamos, portanto, todos os que desprezam as boas obras e vivem a dizer que
não precisamos dar atenção a elas e que elas são inúteis.
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Não somos
salvos pelas boas obras.
Entretanto, como foi dito acima, não julgamos que somos salvos pelas boas obras
nem que elas sejam necessárias para a salvação, de modo que sem elas ninguém já
tenha sido salvo. Pois somos salvos somente pela graça e pelo favor de Cristo.
As obras procedem, necessariamente, da fé. A salvação é impropriamente
atribuída a elas; ao passo que é com absoluta propriedade que ela é atribuída à
graça. É bem conhecida a declaração do apóstolo: “E se é pela graça, já não é
pelas obras; do contrário, a graça já não é graça” (Rom. 11.6).
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As boas
obras agradam a Deus. As obras
que praticamos pela fé são agradáveis a Deus e são por ele aprovadas. Por causa
da fé em Cristo, aqueles que praticam boas obras, que sobretudo pelo Espírito
Santo são praticadas pela graça de Deus, são agradáveis a Deus. São Pedro diz:
“Em qualquer nação, aquele que teme e faz o que é justo lhe é aceitável” (At.
10.35). E São Paulo diz: “Não cessamos de orar por vós... a fim de viverdes de
modo digno do Senhor, para o seu inteiro agrado, frutificando em toda boa obra”
(Col. 1.9 ss).
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Ensinamos
as verdadeiras virtudes, não as falsas e filosóficas. Assim, zelosamente ensinamos as
verdadeiras virtudes, não as falsas ou filosóficas, as verdadeiramente boas
obras e os genuínos serviços de um cristão. E tanto quanto podemos, diligente e
insistentemente as inculcamos a todos os homens, censurando ao mesmo tempo a
desídia e hipocrisia dos que com os lábios louvam e professam o Evangelho e o
desonram pelas suas vidas ignominiosas. Nesta questão, pomos diante deles as
terríveis ameaças de Deus, bem como as suas ricas promessas e generosas
recompensas - exortando, consolando e repreendendo.
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Deus recompensa
as boas obras.
Ensinamos que Deus dá uma rica recompensa aos que praticam boas obras, segundo
a palavra do profeta: “Reprime a tua voz de choro... porque há recompensa para
as tuas obras” (Jer. 31.16; Is. cap. 4). Também o Senhor disse no Evangelho:
“Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus” (Mat.
5.12), e “Quem der a beber ainda que seja um copo de água fria, a um destes
pequeninos ... em verdade vos digo que de modo algum perderá o seu galardão”
(cap. 10.42). Atribuímos, entretanto, esta recompensa, que o Senhor dá, não ao
mérito do homem que a recebe, mas à bondade ou generosidade e veracidade de
Deus, que a promete e a dá, e que, embora não deva nada a ninguém, contudo
prometeu que dará recompensa a seus fiéis adoradores; mas ele lhes dá para que
eles o adorem. Além disso, mesmo nas obras dos santos há muitas coisas indignas
de Deus e muitas mais que são imperfeitas. Mas, porque Deus recebe em graça e
acolhe os que praticam obras por amor a Cristo, confere-lhes a prometida
recompensa. A assim que em outro contexto as nossas justiças são comparadas a
“trapo de imundícia” (Is. 64.6). Também o Senhor diz no Evangelho: “Vós, depois
de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque
fizemos apenas o que devíamos fazer” (Luc. 17.10).
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Os méritos
dos homens são nulos.
Portanto, embora ensinemos que Deus recompensa as nossas boas ações, todavia
ensinamos, ao mesmo tempo, com Santo Agostinho, que Deus não coroa em nós os
nossos méritos, mas os seus dons. Por isso, dizemos que qualquer recompensa que
recebemos é também graça, e é mais graça que recompensa, porque o bem que
fazemos, fazemo-lo mais por Deus do que por nós mesmos, e porque São Paulo diz:
“Que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te vanglorias,
como se o não tiveras recebido?” (1ª Cor. 4.7). E isto é o que o bendito mártir
São Cipriano concluiu deste verso: Não devemos gloriar-nos de coisa alguma em
nós, visto que nada é propriamente nosso. Condenamos, portanto, os que defendem
os méritos dos homens, de modo a esvaziar a graça de Deus.
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O Senhor Jesus diz no Sermão do Monte que não devemos chamar a
atenção dos homens para nós mesmos e sim para Deus em nossas vidas. Como fazer
isso? Vivendo e servindo em santidade, humilde e piedosamente, sem vindicar
qualquer mérito ou recompensa. Isto levará o mundo a compreender que nada
fazemos por nós nem para nós, e sim por Cristo e para Cristo. A fé que
recebemos de Deus pela qual somos salvos, é uma fé atuante que nos faz produzir
frutos e leva a praticar boas obras para a glória de Deus. Embora Deus rejeite
todas as obras realizadas como esforço ou tentativa de conseguir a salvação,
todavia Ele se agrada das boas obras que o salvo produz e até mesmo promete
galardoa-las, pois tais obras são um adorno da vida ressurreta que o crente
recebe na regeneração e também uma demonstração de gratidão. Todavia, mesmo o
galardão que os crentes receberão pelas suas boas obras eles devem totalmente a
Deus, porque Deus só aprova as obras que Ele próprio realiza em nós e através
de nós. Sendo assim, Ele coroará nada mais nada menos que Suas próprias obras.
Abrindo um parêntese, por outro lado, é importante dizer aqui que, Deus se
agrada de todo o bem que é feito pelos homens. Obviamente, é muito melhor que
os homens estejam praticando obras de justiça do que de injustiça. Mesmo que as
obras dos homens naturais não o possam salvar, é sua obrigação fazer o bem e
evitar o mal. O que estamos considerando, todavia, é com respeito à salvação ou
à justificação. Nesse caso, não há nada que o homem possa fazer para salvar-se,
ajudar-se a salvar ou preparar-se para receber a salvação, pois o melhor que
pode fazer ainda será considerado “trapo da imundícia”, isto é, estará muito
aquém do padrão da justiça de Deus.
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