"Segunda Confissão de Fé Helvética" 8. Da queda do homem, do pecado e sua causa
A queda do homem. Desde o início foi o homem por Deus criado à
imagem de Deus, em justiça e santidade de verdade, bom e reto, mas, por
instigação da serpente e pela sua própria culpa, ele se afastou da bondade e da
retidão e tornou-se sujeito ao pecado, à morte e a várias calamidades. E qual
veio ele a ser pela queda – isto é, sujeito ao pecado, à morte e a várias
calamidades – tais são todos os que dele descenderam.
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Pecado. Por pecado entendemos a corrupção inata do homem,
que se comunicou ou propagou de nossos primeiros pais, a todos nós, pela qual
nós – mergulhados em más concupiscências, avessos a todo o bem, inclinados a
todo o mal, cheios de toda impiedade, de descrenças, de desprezo e de ódio a
Deus – nada de bom podemos fazer, e, até, nem ao menos podemos pensar por nós
mesmos. Além disso, à medida que passam os anos, por pensamentos, palavras e
obras más, contrárias à lei de Deus, produzimos frutos corrompidos, dignos de uma
árvore má (Mat 12,33 ss). Por essa razão, sujeitos à ira de Deus, por nossas
próprias culpas, estamos expostos ao justo castigo, de modo que todos nós
teríamos sido por Deus lançados fora, se Cristo, o Libertador, não nos tivesse
reconduzido.
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Morte. Por morte entendemos não só a morte corpórea, que
todos nós teremos de experimentar uma vez, por causa dos pecados, mas também os
suplícios eternos devidos aos nossos pecados e à nossa corrupção. Eis o que diz
o apóstolo: “Estando vós mortos nos vossos delitos e pecados... éramos por
natureza filhos da ira, como também os demais. Mas Deus, sendo rico em
misericórdia... e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente
com Cristo” (Ef 2.1 ss). E também: “Portanto, assim como por um só homem entrou
o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos
os homens, porque todos pecaram” (Rom 5.12).
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Pecado original; pecados atuais. Reconhecemos, portanto,
que há pecado original em todos os homens. Reconhecemos que todos os outros
pecados que deste provêm são chamados, e verdadeiramente são, pecados, qualquer
que seja o nome que lhes seja dado – pecados mortais, veniais ou mesmo aquele
que é chamado pecado contra o Espírito Santo, que nunca é perdoado (Mc 3.29; Iª
João 5.16). Confessamos também que os pecados não são iguais: embora surjam da
mesma fonte de corrupção e incredulidade, alguns são mais graves que os outros.
Como disse o Senhor, haverá mais tolerância para Sodoma do que para a cidade
que rejeita a palavra do Evangelho (Mat 10.14 ss; 11.20 ss).
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As seitas. Condenamos, portanto, todos os que ensinaram o
contrário disto, especialmente Pelágio e todos os pelagianos, juntamente com os
jovinianos, que, com os estóicos, consideravam todos os pecados como iguais. Em
toda esta questão concordamos com Santo Agostinho, que das Escrituras Sagradas
extraiu seu ponto de vista e por elas o defendeu. Mais ainda, condenamos
Florino e Blasto, contra quem escreveu Irineu, e todos os que fazem Deus o
autor do pecado.
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Deus não é o autor do pecado; e até onde se pode dizer que Ele
endurece. Está claramente escrito: “Tu não és Deus que se agrade
com a iniquidade. Aborreces a todos que praticam iniquidade. Tu destróis os que
proferem mentira” (Sal 5.4 ss). E de novo: “Quando ele profere a mentira, fala
do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (João 8.44). Além
disso, há em nós suficiente pecado e corrupção, não sendo necessário que Deus
em nós infunda uma nova e ainda maior depravação. Quando, portanto, se diz nas
Escrituras que Deus endurece, cega e entrega a uma disposição réproba de mente,
deve-se entender que Deus o faz mediante um justo juízo, como um Juiz vingador
e justo. Finalmente, sempre que na Escritura se diz ou parece que Deus faz algo
mau, não se diz, por isso, que o homem não pratique o mal, mas que Deus o
permite e não o impede, segundo o seu justo juízo, que poderia impedi-lo se o
quisesse, ou porque ele transforma o mal do homem em bem, como fez no caso do
pecado dos irmãos de José, ou porque ele próprio controla os pecados, para que
não irrompam e grassem mais largamente do que convém. Santo Agostinho escreve
em seu Enchiridion: “De modo admirável e inexplicável não se faz além da sua
vontade aquilo que contra a sua vontade faz. Pois não se faria, se ele não o
permitisse. E, no entanto, ele não o permite contra a vontade, mas
voluntariamente. O bom não permitiria que se fizesse o mal, a não ser que,
sendo onipotente, pudesse do mal fazer o bem”. É isso o que ele diz.
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Questões curiosas. As demais questões – tais como, se Deus quis que Adão caísse, ou se o
incitou à queda, ou por que não impediu a queda e outras semelhantes – nós as
reconhecemos como curiosas (salvo, talvez, se a impiedade dos heréticos ou de
outros homens grosseiros nos leve a explicá-las também, com base na Palavra de
Deus, como frequentemente o fizeram os piedosos doutores da Igreja), sabendo
que o Senhor proibiu o homem de comer do fruto proibido e puniu sua transgressão.
Sabemos também que as coisas que se fazem não são más com respeito à
providência, à vontade e ao poder de Deus, mas com respeito a Satanás e à nossa
vontade que se opõe à vontade de Deus.
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Que o homem foi criado bom
nós sabemos pela própria declaração do Espírito Santo que disse: “E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis
que era muito bom” - Gênesis 1.31. E quem
melhor que o próprio Criador para avaliar Suas obras? Uma criatura perfeita
tinha que ter moto própria, até para que pudesse escolher voluntariamente
servir e amar a Deus. Contudo, instigados pela serpente, tanto Eva quanto Adão
foram atraídos pelas falsas promessas do inimigo de Deus e transgrediram o
mandamento de Deus. Embora fossem enganados e caíssem numa cilada, obviamente foram
responsabilizados pelas suas decisões e tiveram que responder por elas e sofrer
as consequências. Além disso, sua desobediência foi a porta de entrada para o
pecado na humanidade. Pelo pecado entrou a morte e tanto um quanto outra
passaram a todos os descendentes do primeiro casal. Em Adão todos pecaram, por
isso todos estão condenados à morrer em consequência disso. E morrer não apenas
fisicamente, senão também espiritualmente, que é a morte mais trágica. O pecado
leva tanto o corpo quanto a alma à morte eterna, que é a separação eterna de
Deus e punição num terrível lugar “onde o seu bicho não morre, e o fogo nunca se apaga” - Marcos
9.44. Embora todos nós quando vimos à este mundo já trazemos conosco o
pecado herdado de Adão, suficiente para nos condenar, não paramos aí, antes
aumentamos muito nossa culpa diante de Deus, pecando mais e mais enquanto
estivermos nesse corpo caído. Por isso mesmo que o ensino apostólico é que
mesmo depois de regenerados devemos lutar intensamente contra o pecado,
resistindo-o até à morte se necessário for. Embora para a mente limitada da
criatura e ainda caída, seja difícil compreender a questão: “Como o mal entrou
na criação?”, temos que pensar sempre que em Deus ele não se originou porque
Deus é a essência de todo o bem, e como o sumo bem jamais poderia dar origem ao
pecado e ao mal. Mas como as trevas são uma consequência natural da ausência da
luz na criação, assim também o mal é a ausência do bem na criatura. Ausência
que propicia e efetiva a entrada do mal. O mal surgiu no vácuo deixado pelo
bem. Somos filhos de Deus e não precisamos conhecer todos os seus mistérios. O
que ele nos revelou é plenamente suficiente para a nossa salvação e para nos
prostrar diante dele em humilde adoração. O adorador não é um investigador
curioso buscando satisfazer suas especulações, mas é um servo satisfeito com a
graça, rendido pelo amor de Deus, absorvido pela beleza do Redentor, que se
prostra e adora sem reservas, cheio de admiração e gratidão.
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